18/11/2019 – Prisão em Segunda Instância – Descomplicando

I – DO OBJETO DESTA POSTAGEM

Apesar de se tratar de matéria de Direito Constitucional e processual penal, que não são o exato objeto do nosso blog e canal, houve muitos pedidos para que comentássemos a decisão do STF do dia 07 de novembro de 2019. Nossa intenção é esclarecer o que é a prisão nessa fase do processo penal e trazer os principais argumentos constitucionais, legais e políticos para que vocês possam formar a sua opinião sobre essa matéria.

II – O QUE É PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA?

É importante antes definirmos que a primeira instância é onde, pela primeira vez, o Estado se manifestará sobre o direito pretendido no processo, seja em favor do réu, seja em favor da sociedade. O Estado se manifesta na pessoa do juiz ao condenar ou absolver o réu. É na primeira instância onde são colhidas e produzidas a maior parte das provas no processo penal.

Na segunda instância, que é a primeira fase recursal, ainda admite a realização e colheita de provas. A decisão na segunda instância já é proferida por um colegiado de magistrados com mais tempo de carreira, se comparados a um juiz singular. Na segunda instância temos os Tribunais, como os Tribunais de Justiça dos Estados e os Tribunais Regionais Federais.

Quando falamos em instâncias superiores, em processo penal, nos referimos ao STJ e ao STF. Estas são instadas a se manifestar, colocando de forma simplificada, quando há alguma violação da Lei ou da Constituição Federal, não havendo mais a possibilidade de rediscutir-se o caso concreto. Esse é um dos principais argumentos dos defensores da possibilidade de prisão na segunda instância.

A discussão toda versa sobre a possibilidade de iniciar-se o cumprimento da pena, tão logo finalizada a possibilidade de realização de novas provas, ou se é preciso aguardar-se, necessariamente, o trânsito em julgado.

III – COMO NOSSA CONSTITUIÇÃO FEDERAL TRATA DA PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA?

Nossa constituição não diz nada sobre a possibilidade ou a impossibilidade de iniciar-se o comprimento da pena já na segunda instância, após a decisão do colegiado.

O que temos na Constituição Federal é o princípio constitucional da presunção de inocência, traduzido no art. 5º, LVII que tem a seguinte redação:

Art. 5º, LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

IV – O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL?

Legislação infraconstitucional é aquela que está abaixo da Constituição Federal. O art. 283 do Código de Processo Penal, ao tratar das modalidades de prisão, nos diz que a pessoa pode ser presa:

a) em flagrante delito,

b) por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado;

c) em razão de prisão temporária;

d) em razão de prisão preventiva;

Vejamos:

“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. ”

A prisão que foi objeto de discussão no início deste mês no STF é apenas aquela descrita no item “b”. É o momento do início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado.

Isso porque não está em discussão a prisão sem o trânsito em julgado em qualquer dos outros três casos: prisão em flagrante, prisão preventiva, e prisão temporária.

Isso porque as demais, são consideradas prisões cautelares, que podem ocorrer de forma não definitiva.

A Prisão em flagrante é trazida no CPP a partir do art. 301:

Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Ocorre quando o flagrado está cometendo o delito, quando acaba de cometê-lo, em perseguição ou situação que faça presumir ser o autor da infração, ou ainda, logo após com os instrumentos do crime.

A prisão preventiva é tratada no art. 312 do CPP:

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Já na prisão temporária, suas hipóteses são trazidas pela Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Nessa modalidade de prisão acautelatória, há termo inicial e final previamente estabelecidos, havendo prazo diferenciado para crimes hediondos.

V – HISTÓRICO SOBRE O ENTENDIMENTO DO STF

Com a decisão do STF de 07 de novembro de 2019 foi a terceira vez que a Corte fixou entendimento diverso sobre a possibilidade de prisão antes da decisão final transitada em julgado.

Antes de 2009 era o juiz de primeira instância o responsável por decidir sobre prisão, a depender de cada caso concreto. Nesse ano, o STF, ao julgar o hábeas corpus de um condenado em segunda instância determinou que este somente poderia permanecer preso após decisão final transitada em julgado.

No ano de 2016, o STF reviu esse entendimento de 2009 e permitiu que um réu por roubo qualificado, de um caso específico, permanecesse preso logo após a condenação em segunda instância, sem esperar que o processo transitasse em julgado.

Nesse mesmo ano de 2016, em plenário, o STF manteve o entendimento pela possibilidade de prisão após a condenação em segundo grau. O placar foi apertado de 6 x 5 pela possibilidade da prisão.

No último dia 07 de novembro de 2019, o STF mais uma vez modificou esse entendimento, pelo mesmo placar de 6 x 5, agora não mais permitindo a prisão após a condenação do colegiado, devendo aguardar-se, necessariamente o trânsito em julgado do processo.

A tese central estruturou-se no princípio da presunção de inocência trazida pelo artigo 5º da Constituição Federal, de modo que não caberia ao STF dar nova conotação a dispositivo da Constituição Federal. Tal tarefa caberia, para alguns, ao Congresso Nacional, e para outros a ninguém, uma vez entendido que a presunção de inocência é cláusula pétrea, e como tal, blindada até mesmo do poder constituinte reformador, uma vez que não poderia ser alterado nem mesmo por Emenda Constitucional.

VI – O ARGUMENTO DA CLÁUSULA PÉTREA

Muito sustentou-se na decisão do último dia 07 de novembro que o princípio da presunção de inocência estaria abrangido pelo manto da cláusula pétrea, nesse caso, nem mesmo uma emenda constitucional poderia afastá-lo da Constituição Federal.

Isso porque Cláusulas Pétreas são conquistas da sociedade protegidas por um princípio de não retrocesso, não poderia o instrumento legislativo da Emenda Constitucional abolir cláusula pétrea, que é o caso de direitos e garantias individuais. O amparo constitucional para tal tese estaria fundada no art. 60 da Constituição Federal. Segue a transcrição:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (…)

4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

VII – PROPOSTAS DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE TRAMITAM NO CONGRESSO NACIONAL

Apesar do argumento supra acerca das cláusulas pétreas, está em tramitação uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera o texto do artigo 5º da Constituição Federal, já transcrito, com a seguinte redação:

Art. 1º O inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º. (…)

LVII –ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso. (NR)”

A alteração da Proposta de Emenda Constitucional nº 410/2018 permitirá, se aprovada, não apenas o início do cumprimento da pena, mas também, que o condenado em sede de segunda instância tenha seu nome inscrito no rol dos culpados nessa mesma ocasião, após a decisão do colegiado.

Cumpre destacar que há proposta muito similar em tramitação no Senado Federal.

VIII – ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA A PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA

A) ARGUMENTOS A FAVOR DA PRISÃO

A.1) UTILIZAÇÃO DE RECURSOS APENAS PARA ADIAR A CONDENAÇÃO

Quando houve a alteração do entendimento do STF em 2016, por maioria de votos de 06 (seis) ministros dos ministros que integravam a Corte aquela época, este foi um dos argumentos pautado em muitos dos seus votos, ou seja, que por haver a necessidade de decisão final transitada em julgado, os réus, em especial os que tivessem boa condição econômica, utilizariam de seus recursos financeiros para a contratação de profissionais qualificados que pudessem identificar recursos cabíveis, com a única intenção de protelar o início da execução da pena.

O contraponto mais garantista (contra a prisão) é no sentido de que, ainda que isso aconteça, tratar-se ia de um efeito secundário da medida, já que a intenção principal, seria a finalidade precípua do STF, a garantia da Constituição.

A.2) CASOS DE IMPUNIDADE

Foi trazido a tona casos onde a necessidade do trânsito em julgado protelou a execução da pena por tempo excessivo, sem alteração do julgado. Mencionado pelo Ministro Luiz Roberto Barroso o caso de Antonio Pimenta Neves que assassinou a namorada. Ele foi preso depois de 11 (onze) anos de tramitação processual. Ainda foi mencionado o caso do ex-senador Luis Estevão, condenado em 1992 pelo desvio de R$ 169 milhões de reais, e foi preso somente após o trânsito em julgado, depois de 24 anos de tramitação processual e mais de 30 (trinta) recursos protocolados.

A.3) DIREITO COMPARADO

Também foi trazido pelos Ministros que defendem a prisão após a condenação em segunda instância que há muitos outros países onde tal medida é possível e é aceita, tais como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina.

A.4) LAVA JATO

Um dos argumentos trazidos por quem defende o posicionamento sobre prisão em segunda instância é que este é um dos pilares da operação Lava Jato. Como a Força-Tarefa centralizou na 1ª instância da Justiça Federal do Paraná as condenações de primeira instância a quem não tinha prerrogativa de função (foro privilegiado), desaguaram no TRF4 não menos do que 100 (cem) condenações em segunda instância que ensejaram prisões. A possibilidade de libertação desses condenados, ainda que não seja automática, poderia trazer à sociedade nova sensação de insegurança jurídica e de impunidade, além da ruína da Operação Lava-Jato.

A.5) CLAMOR SOCIAL

A sensação de impunidade em nosso País, em especial, da classe política afetada pela medida, trouxe apoio de fatia considerável da sociedade à prisão em sede de segunda instância. Ministros contrários à prisão, defendem em seus votos que o Magistrado não pode se tornar refém da opinião pública e que para dar voz à população, existiria a Câmara dos Deputados, batizada de “a casa do povo” que traria pela mão dos deputados a voz das ruas.

B) ARGUMENTOS CONTRA A PRISÃO

B.1) ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PRISÃO QUE  JÁ FORAM ABORDADOS

Além do que já tratamos acerca da existência de direitos fundamentais na Constituição Federal que se considerados cláusulas pétreas, não poderiam ser alterados nem mesmo por Emenda Constitucional, há um outro argumento a ser pautado.

B.3) RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Trata-se do que o defensor público Pedro Cariello chamou de relativização de Direitos Fundamentais em suas próprias palavras: “A relativização no processo penal vai permitir a relativização de outros direitos fundamentais. É uma porta que se abre”. Seja por nova interpretação dada pelo STF a uma mesma norma já existente ou por meio de uma reforma que obedeça o processo legislativo, o defensor adverte que poderia se tratar de um perigoso precedente para o Poder Judiciário ou uma possibilidade concreta de supressão de garantias da Constituição Federal via Emenda Constitucional.

IX – PROTAGONISMO DA MATÉRIA EM RAZÃO DO EX-PRESIDENTE PRESO APÓS A CONDENAÇÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA, ASSIM COMO DEMAIS CONDENADOS PELA OPERAÇÃO LAVA-JATO

A matéria discutida no Supremo Tribunal Federal tem argumentos contra e a favor de sua implementação. Mas há quem defenda que a matéria só ganhou notoriedade em razão do número de condenados em segunda instância da Lava-Jato, que ultrapassam uma centena e, em especial, por haver um ex-presidente que, ao tempo da decisão, estava preso, e poderia beneficiar-se da medida, caso a decisão lhe fosse favorável, o que realmente aconteceu, uma vez que foi posto em liberdade no dia seguinte à data do julgamento no STF.

Números do CNJ mostram que outros 4900 presos podem ser postos em liberdade diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda que haja sido consignado que não existe o que se chamou de “liberação automática” ficando a cargo de cada juiz, analisar, caso a caso.

X – DESAFIO

Agora passo a palavra para vocês. Convido para participarem de uma enquete no YOUTUBE. Funcionará assim: Aqueles que tiverem algum posicionamento técnico-jurídico acerca da prisão em segunda instância, deixem seu LIKE, aqueles que têm algum posicionamento político, compartilhem, e em todos os casos

QUERO QUE COMENTEM. QUERO LER SEUS COMENTÁRIOS

http://bit.ly/direitoparatodos

Com isso ficamos por aqui.

Um grande abraço.

Fiquem com Deus.

Augusto Leitão

LEIA TAMBÉM:

28/10/2019 – Todos os Salários de 2020 – Tabela de Soldos – Super Calculadora

Série Previdência dos Militares – Parte 1/12 – AS 48 EMENDAS DO PL 1645/2019