09/04/2018 – POR QUE O STF EQUIPAROU A UNIÃO ESTÁVEL AO CASAMENTO TAMBÉM PARA HERANÇA?

Desde o advento do Código Civil de 2002, a redação do artigo 1.790, que trata da herança das pessoas que vivem em união estável, passou a ser acusada de inconstitucional, especialmente pela Doutrina, mas também tangenciada pela Jurisprudência.

STF – Deliberação sobre equiparação de união estável ao casamento para fins sucessórios, inclusive em famílias homoafetivas

A tese central, que redundou no reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo, tem por pilar o artigo nº 226, § 3º da Constituição Federal, que equiparou a União Estável ao Casamento, e não fez nenhum tipo de distinção quando se trata de sucessão. Segue a transcrição do referido artigo:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (…)

3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Como seria possível o Código Civil, mais de uma década depois da Constituição de 1988, trazer tal distinção? Passemos à análise do artigo nº 1829, do mencionado diploma legal, que trata da sucessão do cônjuge (pessoa casada), em conjunto com o artigo nº 1.790, que tratou tão somente da herança dos companheiros. Segue a transcrição dos dispositivos:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721)  (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721)  (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

EXEMPLO:

Em um casamento sob o regime da comunhão parcial de bens o cônjuge concorrerá com os descendentes do autor da herança. Já, se estivéssemos diante de uma União Estável, na vigência do artigo nº 1.790 do Código Civil, o companheiro concorreria com os descendentes, mas em igualdade de condições, recebendo cota idêntica a que cada um receber. Ou seja, se o extinto deixou 4 (quatro) filhos, o companheiro(a) herdaria 1/5, assim como os demais filhos (art. 1790, I CC). E essa regra era válida para filhos comuns entre o companheiro(a) e o autor da herança. Se os filhos fossem tão somente do autor da herança, essa cota cairia pela metade (art. 1790, II CC).

Não havendo descendentes, a desigualdade é ainda mais evidente, e há quem defenda a inconstitucionalidade apenas desse dispositivo, tratado no art. 1.790, III, do Código Civil.

O artigo nº 1.790, III, do Código Civil Brasileiro determinava que, não havendo descendentes, o companheiro concorreria com os outros parentes sucessíveis. O conceito de parentes sucessíveis abrange pessoas mais remotas em relação ao autor da herança, se comparadas ao seu companheiro(a) de toda vida. Refiro-me a parentes realmente remotos, tais como tio, tio avô, sobrinho e sobrinho neto.

Ocorre que, em 10/05/2017, há menos de um ano, foi reconhecida pelo STF, em Seção Planária, no Recurso Extraordinário nº 878.694 (Tema 809), de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, por 7 x 3, a inconstitucionalidade do referido artigo 1.790 do Código Civil, devendo ser aplicado aos companheiros o mesmo artigo que se aplica às pessoas casadas, a saber, o de nº 1.829, uma vez que não deve haver diferença entre esses dois institutos no que diz respeito a direitos sucessórios, já que a Constituição Federal não fez essa distinção. Nesse sentido segue colacionado recorte do voto do Min Luiz Edson Fachin:

“O casamento como a união estável são modalidades de conjugalidade constitucionalmente asseguradas, inexistindo, portanto, hierarquia entre essas modalidades no texto constitucional, impondo-se, quanto ao que igual, tratamento isonômico.”

Segue, ainda, extrato da decisão que integrou o informativo nº 864 do STF:

“O Supremo Tribunal Federal afirmou que a Constituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares mostra-se incompatível com a Constituição. O art. 1.790 do Código Civil de 2002, ao revogar as leis 8.971/1994 e 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou companheiro), dando-lhe direitos sucessórios inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso”

Foi pautado e decidido na mesma data, na mesma Seção Plenária, o Recurso Extraordinário nº 646.721/RS, (tema 498), de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, que também tratava da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, impondo diferentes condições para sucessão ao companheiro, se comparado à pessoa casada. Mas a peculiaridade deste caso é que se trata de União Estável Homoafetiva.

O STF já possuía jurisprudência pacificada desde 2011, com o julgamento da ADPF nº 132/RJ, acerca da impossibilidade de se fazer distinções entre uniões estáveis homoafetivas e uniões estáveis heteroafetivas, e manteve esse posicionamento.

A partir do momento que se entendeu que a pessoa que vive em união estável tem os mesmos direitos sucessórios da pessoa casada, não há que se fazer distinção entre união estável heteroafetiva ou homoafetiva para direitos sucessórios.

Nessa demanda também foi reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, desta vez aplicado a companheiros homoafetivos. A decisão foi tomada por maioria de 8 x 2. Segue o extrato da decisão que integrou o Informativo nº 864:

“O Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento. Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a convencional, seja a homoafetiva. Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996). O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso”.

Destaca-se que, em ambas as decisões, foi reconhecida a Repercussão Geral, que é requisito de admissibilidade para novos Recursos Extraordinários. Segue o extrato da tese da Repercussão Geral:

“No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”.

Mas cuidado!

Em homenagem à segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal determinou que a decisão proferida em 2017 só se aplicaria a inventários judiciais em que ainda não houvesse trânsito em julgado, bem como só se aplicaria a inventários extrajudiciais em que não houvesse Escritura Pública definitiva. Nesse sentido:

“Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, entendo que a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública”

Com isso ficamos por aqui.

Encaminhem suas dúvidas por e-mail ou deixem comentários no Youtube e no Jusbrasil.

http://bit.ly/direitoparatodos

Um grande abraço.

Fiquem com Deus.

Augusto Leitão.