02.10.2017 – O QUE É BEM DE FAMÍLIA? – (PARTE I) – CONVENCIONAL

Conceito:

O bem de família é uma forma de destinação específica do patrimônio, a fim de amparar a família.

O bem pode por vezes tornar-se inalienável e impenhorável. Veremos em quais situações isso acontece, as exceções à proteção do bem de família e a durabilidade dessa destinação.

Regimes:

O bem de família pode instituir-se de duas formas:

a) Convencional (Voluntário) – artigos nº 711 a 1.722 do CC

b) Legal (Involuntário) – Lei 8.009/90.

Os regimes do bem de família não são excludentes, pelo contrário, são complementares, uma vez que coexistem no nosso ordenamento jurídico.

No post de hoje estudaremos o bem de família convencional, deixando para o tópico seguinte o bem de família legal.

BEM DE FAMÍLIA CONVENCIONAL

O artigo nº 1.711 do CC traz a possibilidade de os cônjuges ou entidade familiar instituírem bem de família por escritura pública ou testamento, afetando-se parte do patrimônio à proteção da família.

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Entidade Familiar

Vejam que o CC cuidadosamente trouxe a expressão “ou entidade familiar”. Isso contempla não só as pessoas casadas, mas também aquelas que vivem em união estável, solteiras, divorciadas, desquitadas e viúvos (Súm 364 do STJ).

Súmula 364 – “O CONCEITO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA ABRANGE TAMBÉM O IMÓVEL PERTENCENTE A PESSOAS SOLTEIRAS, SEPARADAS E VIÚVAS.”

Dispensa de Outorga do Cônjuge ou Companheiro

A instituição do bem de família é ato voluntário do instituidor, ou instituidores e dispensa a outorga do cônjuge ou companheiro. Isso porque não há prejuízo ao patrimônio deste, há apenas uma proteção extra, uma benesse. Já para desafetar aquele bem, ou seja, para cessar a proteção, o outro cônjuge deve consentir.

Procedimento para Desafetar – Jurisdição Voluntária

Cuidado!

É um processo sujeito à jurisdição voluntária, com requerimento dirigido ao Judiciário, devendo ser ouvido o Ministério Público, ainda que não haja filhos menores ou maiores incapazes.

Limite de 1/3 e Coexistência entre Regimes

O patrimônio destinado ao bem de família convencional limita-se a 1/3 (um terço) do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição. Caso haja dívidas anteriores devem ser deduzidas, para que não se use o instituto para imobilizar o patrimônio, e com isso, fraudar credores.

O art 1.711 do CC, ao final, após conceituar o bem de família voluntário, traz expressamente a possibilidade de coexistência dos dois regimes ao afirmar que permanecem “mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”

Necessidade de Aceite para Instituição por Terceiros

Vimos que o bem de família pode ser instituído pelos cônjuges ou instituição familiar, ocasião que dispensa outorga. Mas essa regra não é válida para a instituição de bem de família por 3º (terceiro), seja por doação ou testamento, será preciso do aceite do destinatário.

Registro (RGI)

É preciso ainda registrar a constituição do bem de família no respectivo registro de imóveis (RGI), para dar publicidade ao ato.

Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.

Extensão para bens Móveis

O artigo nº 1.712 do CC traz a necessidade de utilização do imóvel urbano ou rural para domicílio familiar e garante a extensão da proteção do bem de família não só ao imóvel, mas também àqueles móveis que o guarnecem.

art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Valores Mobiliários

Se eu possuo um imóvel que mantenho alugado, utilizo esses valores para alugar um apartamento mais barato, e o saldo é  utilizado na minha subsistência, estarei em perfeita sintonia com a parte final do texto do artigo nº 1.712 do CC que afirma haver a possibilidade de o bem de família “abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família”. Ainda que eu não resida no bem, se o seu rendimento for utilizado na minha subsistência, estará este amparado pelo benefício.

Exceções à Proteção do Bem de Família Convencional (ou voluntário):

O artigo nº 1.715 traz as exceções à proteção do bem de família convencional.

Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

Sabemos que não há proteção anterior à instituição. Além dos débitos anteriores, não estarão protegidas dívidas oriundas de:

a) Dívidas Condominiais – São obrigações Propter Rem – É aquela obrigação quem acompanha a coisa mesmo se esta for vendida, doada, herdada, etc. Assim, quem estiver devendo para determinado condomínio poderá ter o imóvel penhorado em execução sim, sem qualquer óbice.

b) Tributos Referentes ao Próprio Imóvel – Mesmo após haver instituído o bem de família poderá este ser penhorado pela prefeitura pelo não pagamento de IPTU, sem problema algum, devendo eventual saldo ser apurado e manter-se a proteção do bem de família sobre a parte restante.

Exemplo:

Um imóvel de R$ 500.000,00 instituído como bem de família sofre uma execução do Condomínio “C”, ou algum Ente Público “E”, credor de determinado tributo. Vende-se o imóvel, paga-se a dívida e se sobrar algum saldo, mantém-se a proteção do bem de família, devendo esse dinheiro ser aplicado em outro imóvel ou títulos da divida pública (art. 1.715 § ún, CC).

Extensão e Duração:

a) Impenhorabilidade.

Vimos que o imóvel não pode ser penhorado após a instituição do bem de família. Há exceções? Sim. Vistas acima.

b) Inalienabilidade

O imóvel destinado como bem de família é inalienável.

Lembram daquele que recebeu um imóvel com cláusula de bem de família? Ele não poderá vender o imóvel, uma vez que o bem de família perdurará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade (art. 1.716 do CC).

Dissolução do Vínculo Matrimonial ou da União Estável

Pergunta!

E se o casamento dissolver-se ou não mais existir a União Estável?

A proteção prevalece. Isso porque normalmente um dos cônjuges permanece vivendo no imóvel, assim, permanecerá a proteção para o cônjuge divorciado que no imóvel residir.

Pergunta!

E se a dissolução se der pelo óbito, estando agora um dos cônjuges viúvo?

O outro poderá pedir a extinção do bem de família.

Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.

Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal.

Extinção:

De acordo com o artigo nº 1.722, extingue-se o bem de família com a morte dos cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela. Havendo curatela, o bem de família permanece.

Com isso, terminamos o bem de família convencional, ou voluntário. No próximo post abordaremos o bem de família legal, trazido na Lei nº 8.009/1990.

Até o próximo post

Augusto Leitão – Advogado

OAB/RJ – 214.935