16.10.2017 – O QUE É BEM DE FAMÍLIA LEGAL? (PARTE II)

Conceito – Bem de Família Legal

Vimos o bem de família convencional, que é uma modalidade de proteção patrimonial muito utilizada por aquelas pessoas que já possuem algum patrimônio, normalmente com mais de um imóvel, e que podem destinar um, dois ou mais imóveis à finalidade do bem de família.

Ocorre que há outro regime de bem de família que é aquele instituído pela Lei.

Senhores! Estamos falando do bem de família legal!

O bem de família legal refere-se ao imóvel utilizado como residência da entidade familiar, protegido por Lei especial, a saber, a lei nº 8.009/1990.

A intenção da Lei é garantir o mínimo existencial, para que aquele indivíduo possa viver com dignidade.

Vejamos o artigo 1º e parágrafo único da mencionada Lei para entendermos o que exatamente está contido nesse mínimo. E já vamos revisar, a partir do o artigo 5º da mesma Lei, o conceito de residência. Seguem as transcrições:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Extensões abrangidas pelo Bem de Família

Quando estudamos o bem de família convencional vimos que havia algumas extensões que eram protegidas pelo bem de família.

Aqui, no bem de família legal, não é diferente. O parágrafo único do artigo 1º elenca tudo o que é abarcado pelo bem de família além da construção do imóvel:

– Plantações

– Benfeitorias

– Equipamentos, inclusive os de uso profissional

– Móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Segue a transcrição do dispositivo legal que trata dessas extensões do bem de família.

Art 1º, Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Regra – Bem Imóvel de Menor Valor e Sua Exceção

Exatamente por haver a preocupação do legislador em proteger apenas o sustento da entidade familiar é que se protege somente o imóvel de menor valor, com uma única exceção, que é haver instituído outro bem para esse fim – um bem de maior valor.

Art 5º, Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.

Como assim?

Existe alguma possibilidade de instituição de bem de família legal sobre um imóvel que não seja o de maior valor?

Sim. É preciso que ele seja considerado residência e deve ser residência por mais de 02 (dois) anos. Nesse caso, não haverá limite de valor. É o que trata o artigo nº 19 do Decreto Lei nº 3.200/1941. Segue a transcrição:

Art. 19. Não há limite de valor para o bem de família desde que o imóvel seja residência dos interessados por mais de dois anos.

Pergunta!

E as garagens? Estão cobertas pela impenhorabilidade do bem de família?

Nos termos da Súmula nº 449 do STJ, somente integra o bem de família a garagem que é acessória ao imóvel, se ela possuir matrícula própria, não estará protegida, para efeito de penhora.

Súm 449 STJ. Se a garagem tem matrícula própria, não constitui bem de família para efeito da penhora.

Pergunta!

Um terreno pode ser considerado bem de família? O STJ se manifestou pela impossibilidade de o imóvel não edificado servir de moradia, logo, não estão amparados nem o terreno, nem as construções inacabadas.

Bens móveis: De acordo com o artigo 1º, § único, ao bens móveis estão amparados pela impenhorabilidade, desde que quitados.

Pensando em mínimo existencial. Se eu possuo um imóvel com 03 (três) televisores, apenas um estará garantido como bem de família.

Único bem de Valor Elevado

Importante!

Já vimos a exceção, mas a regra é: O bem de família se mantém impenhorável, desde que seja o único, ou o de menor valor.

Pergunta!

Mesmo que seja um imóvel de 10 milhões? Sim.

Já os bens móveis obedecem uma norma descrita no CPC, no artigo nº 822, II, que determina ser possível a penhora de bens de alto valor que ultrapassem as necessidades comuns do médio padrão de vida. Segue a transcrição:

Art. 833.  São impenhoráveis: (..)

II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

Abrangência:

Quando estudamos o bem de família convencional, vimos que a extensão abrangia tanto a impenhorabilidade como a inalienabilidade. Ou seja, no bem de família convencional, o bem não poder ser penhorado e também não pode ser vendido, doado ou permutado.

No bem de família legal, temos apenas a impenhorabilidade.

Usucapião

O STJ reconheceu a possibilidade de usucapião por terceiro, em detrimento do bem de família. Aqui temos o que se chama de sopesamento de valores entre o proprietário do bem e aquele que preencheu os requisitos da Usucapião.

Exceções:

Há alguns casos que o bem de família não pode ser oponível. São situações em que poderá haver a penhora do bem, ainda que seja este o único bem da entidade familiar.

Essas exceções se encontram elencadas no art 3º da Lei, que passarei a comentar a seguir:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

Exemplo: Se a Caixa me financiou a aquisição de um imóvel, ou a construção deste. Ela será minha credora no limite do valor do crédito e o imóvel não estará amparado pelo bem de família perante a Caixa.

OBS. A exceção não alcança a reforma. Se o financiamento se deu para que eu fizesse uma reforma, eu posso opor a proteção do bem de família, uma vez que não estará amparado.

III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;        (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)

Narra a Súmula nº 134  que “O cônjuge e o companheiro tem direito a embargos de 3º para defender a sua meação”.

A título de exemplificação, um casal em que apenas um dos cônjuges é devedor de pensão alimento e outro não.

O que se faz? Vende-se o imóvel e metade do valor correspondente será do cônjuge meeiro. A outra metade pode ser utilizada para pagamento de pensão alimentícia.

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

Cuidado!

A lei só falou impostos, taxas e contribuições, silenciou sobre a dívida de condomínio, ou qualquer outra dívida.

Mas o STF, em sede de recurso extraordinário, manifestou-se favoravelmente, ainda que não haja previsão legal. Afirmou que a dívida condominial é motivo hábil à quebra da impenhorabilidade do bem de família legal. (RE 439003/SP).

Vimos que no bem de família convencional a lei traz a previsão expressa, lembram disso?

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

Vamos colocar dessa forma:

Regra: Impenhorabilidade do bem de família.

Exceção: Hipoteca de imóvel do casal.

Exceção da Exceção: Mantém-se a proteção da impenhorabilidade se os recursos obtidos com a hipoteca não se reverterem para o casal (STJ – Ag Reg 921.299/SE)

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

Não se mantém a impenhorabilidade diante de produto de crime. Uma casa comprada com dinheiro de um assalto a banco não pode gozar da proteção do bem de família. Concordam?

Ainda que já tenha sido extinta a punibilidade do agente. O imóvel foi adquirido fundado em uma ilicitude. Nossa legislação não pode amparar o agente de ilícito penal.

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.         (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)

Quanto a esse inciso temos uma divergência entre doutrina e jurisprudência.

Muitos doutrinadores entendem que seria inconstitucional o único imóvel do fiador ser passível de penhora. Por que o proprietário gozaria da proteção do bem de família e o fiador não?

Já a jurisprudência possui inclusive entendimento sumulado de que esse inciso do artigo 3º é constitucional, e que é possível a penhora do único imóvel do fiador. É esse o entendimento da Súmula nº 548 do STJ, alinhado com julgados do STF.

Matéria de Ordem Pública

A impenhorabilidade é matéria de ordem pública e pode ser conhecida de ofício ou alegada a qualquer tempo e em qualquer instância, por petição simples, independentemente de aguardar-se o momento para opor embargos. O limite para a alegação da impenhorabilidade é o da arrematação ou da adjudicação.

Com isso encerramos o bem de família,

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Até o próximo post!

Augusto Leitão – OAB/RJ nº 214.935.